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Filhas da PUC

Para início de conversa sou filha da PUC com muito prazer e orgulho.


E isso vem antes de qualquer agradecimento, mas já se trata de vários reconhecimentos gratos pertencentes há uma sucinta frase. Primeiro ao Luis Cláudio, meu orientador de doutorado, mas não apenas. Para quem ainda não sabe, encontramos em vários textos seus a expressão: para início de conversa! Que também se tornou um pouco minha e tem momentos que me recordo disso, outros que esqueço, porquê já faz parte do meu acervo como pessoa. Assim como um certo modo de pensar a psicanálise, uma certa liberdade ousada e consistente de fazer atravessamentos de paradigmas que sempre apreciei e admirei.


Ao Renato Mezan gostaria de agradecer pelo que você provavelmente ainda não sabe, mas que vou contar agora. Um dos meus primeiros trabalhos no doutorado, fiz para a sua disciplina, e veio a se transformar em um dos capítulos da minha tese. Apreensiva ao receber seus comentários encontro um bilhete simpático de alguém que leu, apreciou o texto e considerou-o criativo. Aquelas folhas de papel ficaram guardadas por um bom tempo, como um tipo de talismã que me dizia: continue! Nos encontramos novamente na defesa do doutorado e foi um trajetória marcante e realizadora como pesquisadora, e que continua, agora na USP.


No entanto, mesmo estando na USP, sou filha legítima da PUC, também porque sou filha do Walter Ribeiro; que fez PUC no final da década de sessenta, uma das primeiras turmas da psicologia, e foi um dos pioneiros da Gestalt Terapia no Brasil. A infância tem esse poder de deixar marcas nas quais passamos a orbitar sem nos darmos conta. Lembro de aos oito anos estar com meu pai na clínica da PUC fazendo testes psicológicos e, depois, conhecer seus colegas. Não entendia absolutamente nada do que estava ocorrendo, mas me senti importante, e isso era tudo.


Entrei pela porta das Ciências Sociais na graduação da PUC em 1981. Na época, fazíamos o curso básico no primeiro ano e naquele momento a psicologia do curso básico colocou abaixo a minha rebeldia de final de adolescência de não seguir a profissão do meu pai, naquele momento todas as minhas identificações edípicas ganharam espaço dentro de mim, criaram raiz sem pedir licença, simplesmente existindo.


A experiência da graduação foi uma espécie de anos dourados. E, tenho deles, um tipo de memória de viagem, daquelas que você se lembra da bisteca fiorentina que você saboreou em Firenze naquele restaurante, atravessando a ponte vecchia do lado esquerdo. Exatamente em qual ano...já se perdeu, mas a cor e o sabor do prato permanecem vivos.

Durante a graduação fiquei dividida entre a Gestalt Terapia que meu pai tanto amava, e a psicanálise que já me encantava, mas que seria uma traição a lealdade paterna, assim como o primeiro namorado.


Em meados da década de oitenta quem se formava e queria trabalhar em consultório fazia cursos de especialização no já reconhecido Instituto Sedes Sapientiae, instituição também filha da PUC, mas que tomou rumos próprios. E lá estava eu recém- formada atendendo em consultório e fazendo a especialização em Gestalt Terapia.


A transição para a psicanálise foi por meio da análise; a melhor e a mais consistente maneira de nos tornarmos psicanalistas. Lembro de uma situação emblemática dessa transição da Gestalt para a psicanálise. Em 1993 eu era professora no curso de especialização em Gestalt Terapia no Sedes, ministrava o curso sobre Abordagem Dialógica de Martin Buber, e era aluna no curso de Formação em Psicanálise, o que sempre deixava confuso o manobrista do estacionamento, afinal eu era professora ou aluna? Reencontrei Martin Buber depois de muitos anos no texto de Bion e isso fechou uma Gestalt de forma impressionante.

Penso que o interesse pelas teorias que habitam a mente de nossos pais e depois de nossos analistas é uma herança inescapável. Encontrei Klein e Bion na análise, nos pacientes, na vida. Se não é como a vida não é psicanálise, disse Bion em uma das suas visitas ao Brasil na década de setenta.


Antes do mestrado fiz a minha Formação em Psicanálise no Sedes. Lá encontrei colegas que me apresentaram teoricamente Melanie Klein, e essa foi outra forte identificação clínica e teórica. Será que os autores psicanalíticos se tornam objetos internos que nos habitam? Penso que sim. Klein e Bion são o casal parental psicanalítico amoroso e criativo enraizado em mim. Freud reencontrei de forma mais vitalizada nos dez anos que acompanhei presencialmente as aulas do Luís Cláudio na PUC, marcantes como as memórias de viagem.

Fui ser filha do mestrado na PUC depois de quinze anos exclusivamente como psicóloga e psicanalista clínica. Nesse momento estava interessada em Bion e nos trabalhos dos sonhos, exatamente onde estou agora! O trem da chegada é o mesmo da partida, e por esse motivo retomo o nome do meu projeto inicial de pesquisa na época: uma investigação sobre o relato de sonhos na sessão como algo promovedor de mudanças psíquicas. O pensamento onírico já me interessava muito. O texto de base era A vida onírica de Donalt Meltzer que tinha estado no Brasil em meados da década de noventa. E, além disso, encontrei o livro de Maria Emília Lino da Silva, Pensando o pensar com Bion, fruto de uma consistente tese de doutorado defendida na USP. Maria Emília foi minha orientadora de mestrado, com ela comecei meus estudos teóricos sobre Bion. O primeiro texto que escrevi no mestrado em 1999 para disciplina da Maria Emília foi A Conversa Analítica. As palavras são as pessoas que as pronunciam. Texto que continua a ter desdobramentos nas minhas pesquisas; também os textos têm uma invariância, algo que permanece ao longo do tempo e que reconhecemos como próprio, assim como as fotos da infância.


Mas os ventos sopraram e fui passear como pesquisadora por outras cearas que também faziam parte de um território sempre desconhecido chamado Eu. No meio do mestrado resolvi fazer um outro tipo de trabalho: fui pesquisar os sofrimentos psíquicos na maternidade, ou no caso, na sua ausência, na infertilidade. As mudanças de rumo fazem parte do processo de pesquisa, mas são trabalhosas e precisam ser sustentadas com consistência.


Hoje comento no meu grupo de pesquisa: iniciamos com um projeto que será desmontado e remontado algumas vezes, e, na melhor das hipóteses saímos transformados por uma experiência como pesquisadores, sempre no enfrentamento de angústias. Se temos bons parceiros no trajeto isso facilita, mas um projeto de pesquisa, que seja um mestrado ou um doutorado, é sempre um processo de elaboração. Escrever e pesquisar é uma forma de pensar. A psicanálise é indissociável da atitude de pesquisador, escreveu Freud a quase cem anos.


Submeti meu mestrado para publicação na antiga Casa do Psicólogo, e lá também tive uma experiência semelhante aos comentários do Renato Mezan ao meu texto. Quem leu o texto, gostou e quis publicar. Coincidência ou não, ou trama inconsciente, Flávio Ferraz foi quem me convidou para publicar o mestrado, e, anos depois, participou da minha defesa de doutorado.


Logo após o término do mestrado, fui ser ouvinte das aulas do Luis Cláudio e Nelson Coelho na USP. Adorei o lugar, todo arborizado, me lembrava Brasília, cidade da minha adolescência. O primeiro contato que fiz com o Luís Cláudio já foi preciso e sucinto: A sua pesquisa é clínica? Respondi que sim. Vá para a PUC. E essa foi minha brevíssima passagem pela USP, um semestre.


Iniciei o doutorado em 2005. A forma de orientar em grupo do Luis Cláudio foi algo extremamente produtivo e marcante para mim, tanto que atualmente no meu grupo de pesquisa fazemos um trabalho semelhante. Todos leem e colaboram com a pesquisa e com o texto dos colegas, o que tem tornado os trabalhos gerados consistentes e de qualidade. Além de criar uma cumplicidade fraterna que favorece o enfrentamento das angústias que são inerentes a trajetória do pesquisador.


Como fruto do doutorado publiquei o livro De mãe em filha. A transmissão da feminilidade.

No mesmo ano que iniciei o doutorado comecei a ministrar aulas regularmente no Instituto Sedes Sapientiae em um curso que durou muitos anos e que estava vinculado a minha pesquisa de doutorado: Entrelaces psíquicos entre mães e filhas. Concomitante a esse primeiro curso iniciei em conjunto com Gina Tamburrino o curso Para além da contratransferência: o analista implicado, que em 2017 se transformou no nome de uma coletânea. Nesse curso ministrávamos aulas com os textos de Antonino Ferro, Thomas Ogden e Bion.


Meus estudos sobre a obra de Bion continuaram paralelamente a pesquisa de doutorado sobre a feminilidade. Ainda no doutorado, Gina Tamburrino e eu apresentamos a teoria das transformações de Bion em um curso do Luis Cláudio. Usamos nessa apresentação as anotações do LC. Suas anotações de aula eram um estudo minucioso, reflexivo, desconstrutivo do difícil livro de Bion Transformações. No intervalo, em um descontraído café (isso perdemos no modo online), comentamos: Luis Cláudio seria muito bom publicar esse material, não há nenhum livro com essas características, de uma leitura tão próxima desse enigmático livro de Bion. Na ocasião ele comentou que seriam necessárias muitas horas para fazer a revisão e a organização do material. Gina e eu nos prontificamos a fazer isso, e Luis Cláudio generosamente nos acolheu como coautoras. O livro sobre Balint teve uma trajetória parecida.


Em 2012 recebo um @ do Luís Cláudio com suas sucintas e consistentes frases: veja se você se anima! Percorro o @, era o edital de concurso na USP para as disciplinas de Melanie Klein, Bion e Winnicott e para as disciplinas de Atendimento Clínico, ou seja, indubitavelmente meu número. Li aquela lista enorme de documentos e procedimentos e a frase do Luis Cláudio ficou ecoando em mim: veja se você se anima, e acabei me animando a enfrentar um concurso árduo, mas que valeu o esforço.

Hoje, olhando de forma um pouco mais distante no tempo, penso que foi uma situação de serendipidade (Chuster): quando encontramos o que não estávamos procurando, mas esse encontro faz toda a diferença. A USP entrou assim na minha vida, encontrei o que não estava procurando, mas esse encontro fez toda a diferença.


Outro significativo encontro foi com Elisa Cintra; primeiramente na qualificação do doutorado, depois na defesa, e um pouco mais adiante no partilhar dos prazeres e dos desafios da vida acadêmica. Nossos interlocutores de pesquisa podem no futuro tornarem-se nossos melhores parceiros de trabalho.


Encontros criativos estão em constante expansão. Com Elisa publiquei em 2018 Por que Klein? Além de duas coletâneas em 2017 e 2019, e, também eventos internacionais que deram muito trabalho e satisfação, além da parceria em bancas e artigos.


Também do encontro com Elisa surgiu o sonho de uma ponte imaginária entre a PUC e a USP. O risco de sonhar é que alguns sonhos se realizam, e foi esse o caso: a ideia de um laboratório entre dois criativos centros de produção de pesquisas em psicanálise aconteceu. Em outubro de 2019 tivemos o lançamento do Lipsic com a participação de sessenta pesquisadores.


LIPSIC: Laboratório Interinstitucional de Estudos da Intersubjetividade e Psicanálise Contemporânea.


PUC (5): Luis Cláudio, Renato, Alfredo Naffah, Elisa e Rosa Tosta.


USP (4): Nelson Coelho, Pablo Castanho, Ana Loffredo e eu.


Com a pandemia aceleramos a inserção do LipSic no mundo online. Agora temos as Reuniões Científicas acontecendo no YOUTUBE - LipSic psicanálise; programação no Instagram. Já temos seis reuniões científicas programas para o segundo semestre, confiram a programação!


Para finalizar, sempre momentaneamente a conversa, sou filha da PUC, já tendo perdido a dimensão dos contornos do que isso significa, e agora, na maturidade, sou caloura na USP.

É muito bom quando a vida nos surpreende de forma favorável.





Obrigada!


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